quinta-feira, 16 de junho de 2011

Raça e Ciência na História

Na contraditória sociedade do século XIX desenvolveram-se idéias que, como afirmou o Historiador Renato da Silveira, funcionaram como ideologia e desempenharam um papel político muito importante para a compreensão da história da humanidade[1]. Estamos falando das teorias de superioridade raciais desenvolvidas e legitimadas por cientistas. Como mostra Silveira, a Ciência foi a grande arma das elites dirigentes, ela legitimou políticas de conquistas e segregação, fundamentais para o entendimento de nosso tema. A Ciência tornou-se porta voz da Verdade, papel que até então era exercido pela Igreja, logo, a Verdade propagada pela Ciência era a de superioridade racial das elites européias, estendendo-se à superioridade cultural, política, militar etc.
Para provar a superioridade das elites brancas européias, cientistas desenvolveram métodos diversos. A craniologia é um desses métodos, Silveira nos mostra o exemplo de Broca, cientista que reafirmou a superioridade do “homem branco, o lugar subordinado da mulher, do operário, do camponês e do nativo dos outros continentes” (Silveira, p. 104). Outro exemplo é o surgimento da etnologia, mais um dos ramos da Ciência que propagava a superioridade da raça branca. Vários outros cientistas, ou portadores da Verdade, desenvolveram idéias de superioridade da raça branca, idéias que se tornaram o foco das atenções no período, por isso Le Bon destaca a preponderância das idéias raciais para o entendimento da história.
Como vimos na citação acima, o discurso racista também se identificou com o discurso de classes. Preocupados com a “turba das ruas” e com a difusão da idéia de igualdade, Le Bon e a corrente de cientistas conservadores contrariavam a idéia de que a instrução daria iguais condições aos homens e mulheres, pois todos seriam iguais. Dentro do grupo de “ilusões mais funestas” criadas no século XIX está o socialismo. Sobre esse movimento político Le Bon afirma: “O socialismo hoje parece ser o mais grave perigo que ameaça os povos europeus” (Le Bon, p.183). Como observamos anteriormente, as idéias de Marx, Engels, Proudhon (além de Bakunin e outros) colocavam as classes trabalhadoras em posição de destaque na luta contra os privilégios da burguesia e das desigualdades sociais. Em função dos ideais do anarquismo, do comunismo e do socialismo, a segunda metade do século XIX foi repleta de movimentos sociais que causaram muita tensão nas elites da sociedade no período. Greves em diversas fábricas, camponeses mobilizados e mulheres reivindicando direitos são alguns dos exemplos de políticas de mudanças sociais e econômicas, luta por liberdade e igualdade. A tal “igualdade perfeita sonhada pelos nossos modernos socialistas”, como afirma Le Bon, era impossível porque havia um abismo entre as “camadas superiores” (a elite dirigente) e as “camadas inferiores” (operários, camponeses e mulheres), assim como havia um abismo entre brancos e negros, tudo comprovado pela Ciência, por isso tudo Verdade. A socióloga Marcia Cristina Consolim contribui bastante para o entendimento desse aspecto quando trata da “multidão”, nome dado por Le Bon ao poder popular, que “ele acredita estar crescendo e prejudicando enormemente as instituições da República” [2]. Em sua reação conservadora, Le Bon defende os interesses das elites dirigentes desprestigiando, pela análise científica, as pessoas que faziam parte da classe trabalhadora. Essas pessoas seriam
“impulsivas, instintivas, impressionistas, facilmente irritáveis e sugestionáveis, crédulas, fazem associações sem nenhuma lógica, pensam por imagens, não têm idéias próprias, têm freqüentemente alucinações coletivas, confundem a realidade com sua imaginação, são incapazes de raciocinar e de julgar e não têm bom senso.” [3]

Os mais fortes dominam os mais fracos, os mais capazes devem estar no controle. Essas idéias favoreceram o êxito das elites políticas não só no contexto de suas sociedades, não serviram apenas para legitimar seus poderes contra os camponeses e operários, serviram também para consolidar um dos mais importantes aspectos da história da humanidade, ocorrido entre o final do século XIX e início do século XX, o imperialismo. Hobsbawn afirma que este novo imperialismo proporcionou que inúmeras partes do globo fossem divididas por grandes potências como Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, Holanda e mais alguns poucos[4]. Essa divisão do mundo foi legitimada pelas idéias de que os mais “fortes” e “avançados” deveriam dominar os mais “fracos” e “atrasados”. Além das questões econômicas, relacionadas com o fato da matéria-prima para os produtos industrializados europeus e norte-americanos estarem em países que agora são suas colônias, além do aumento do mercado consumidor e da possibilidade de mão-de-obra barata, o imperialismo também apresenta conflitos políticos, ideológicos e raciais. Sobre este último aspecto, cabe retornar às idéias de superioridade racial dos brancos em relação aos negros africanos, por exemplo, que fez com que o continente fosse dominado por um pequeno número de colonizadores cuja tarefa, entre outras coisas, era levar a “luz” para o continente das “trevas”, era civilizar esses bárbaros, levar a eles o progresso, seria esse o “fardo” do europeu. O continente africano é tratado como “zona servil”, onde seus habitantes eram à “imagem de povos pré-históricos” e “infantis”, características que justificariam o domínio do branco superior[5].
Essa política expansionista européia e norte-americana proporcionou a divisão do mundo entre poucos. De certa forma, o imperialismo proporcionou uma maior identificação das massas com o Estado e a nação, justificando e legitimando ações das elites políticas envolvidas. Porém, esse expansionismo também gerou conflitos entre as grandes potências, conflitos que os levaram à Primeira Guerra Mundial. Le Bon afirmou que um dos “mais importantes elementos da civilização são os que permitem a um povo avassalar os outros, isto é, as instituições militares” (p.70), nesse mesmo contexto Márcia Maria Menendes Mota afirma que, nos antecedentes da Primeira Guerra, havia a crença de que seria um conflito rápido, já que cada nação acreditava na sua superioridade em relação às outras[6]. Como sabemos, os que acreditavam nessas idéias se enganaram profundamente. A Guerra durou anos (1914-1918), e as idéias de superioridade racial nada tinham de Verdade.


[1] SILVEIRA, Renato da. Os selvagens e a massa: papel do racismo científico na montagem da hegemonia ocidental. Afro-Ásia, n. 23, 1999, p. 89-145.
[2] CONSOLIM, Marcia Cristina . Gustave Le Bon e a reação conservadora às multidões. In: XVII Encontro Regional de História (ANPUH), 2004, Campinas - SP. XVII Encontro Regional de História (Anpuh). Campinas - SP, 2004.
[3] Ibidem, p.6
[4] HOBSBAWN, Eric J. “A Era dos Impérios”. In: A Era dos Impérios 1875-1914. edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, pp. 87-124
[5] SILVEIRA, Renato da, op. cit. pp.119-120 e HOBSBAWN, Eric J. “A Era dos Impérios”, op.cit. p.106
[6] MOTTA, Márcia Maria Menendes. A Primeira Grande Guerra. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (Orgs.). O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v. 1 (O tempo das certezas: da formação do capitalismo à Primeira Guerra Mundial), p. 233-251.

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