domingo, 24 de janeiro de 2010

História do trabalho no Brasil


Questionando a produção de historiadores e sociólogos dos anos 60 e 70, sobre a gênese do trabalho livre no Brasil, Sílvia Lara critica àqueles que pautaram seus estudos de acordo com as idéias de “transição” e de “substituição” [1]. Os defensores da teoria da transição tratavam a História do trabalho no Brasil a partir do final do século XIX, excluindo o trabalhador negro de suas análises, já os defensores da teoria da substituição, considerados pela autora como os radicais da historiografia da transição, postulavam a substituição do escravo pelo trabalhador livre. Em ambas as teses, saem de cena os trabalhadores negros e surgem os imigrantes europeus.
Sílvia Lara, assim como Cláudio Batalha e John French,[2] contrapõe historiadores e sociólogos que, segundo Lara “transformaram em explicação histórica, idéias e concepções que, cem anos antes, faziam parte de um intenso jogo político”. Na segunda metade do séc. XIX discutia-se sobre a incapacidade dos negros e a esperança de progresso simbolizado pela mão- de- obra imigrante. Já nas décadas de 60 e 70, partindo da noção de que o trabalho livre significa a liberdade de poder vender a força de trabalho pela melhor oferta e mais do que isso, que a condição de livre assegura direitos, estudiosos como Florestan Fernandes e J. de S. Martins tratam do trabalhador no Brasil identificando-os como homes brancos vindos do exterior. Porém, Lara, Batalha e French problematizam a idéia de liberdade como a “possibilidade de vender ‘livremente’ a força de trabalho em troca de um salário” (Lara, p.28) e propõem como solução para não cair na cilada da dicotomia (escravidão e liberdade), “historicizar o sentido de liberdade” (French, p.88), os estudiosos devem encará-la não como algo estático e determinado, mas como um processo. A liberdade poderia significar condições de vida piores do que às existentes no período escravocrata (Batalha, p.108), poderia significar viver longe de quem outrora era senhor e, entre outras coisas, “significou a possibilidade de não servir a mais ninguém” (Lara, p.28).
Cláudio Batalha mostra os diversos limites a essas liberdades enfrentados pelos trabalhadores urbanos no Brasil da Primeira República, apresentadas em contraposição à do tempo do escravismo, conforme relataram os estudiosos das décadas de 60 e 70. Evidenciando as condições de trabalho adversas, os abusos sexuais no trabalho, as restrições raciais, a repressão dos patrões e do Estado, e a falta de direitos políticos, Batalha analisa continuidades históricas entre o período da escravidão e o pós- 1888. Porém, essa perspectiva não deve ser usada para explicar tudo. Para ele, explica o preconceito racial e a exclusão, mas características como a violência e a ausência de direitos, pelo fato de também estarem presentes em sociedades que não tiveram um passado escravista, devem ser comparadas às desses países para que possamos compreender melhor a história do trabalho no Brasil. French, sem ressalvas, afirma que “os legados da escravidão africana incluem noções bem estabelecidas sobre o exercício legitimo da autoridade” (French, p. 78). As noções teóricas de liberdade, as mesmas defendidas pelos estudiosos das décadas de 60 e 70, “encontram seus limites na bala de um homem armado” ( French, pp. 82 e 91).
A partir da década de 80, a produção historiográfica já estava mais voltada para compreender o trabalho no Brasil abandonando o determinismo da substituição ou da transição do processo histórico, tão importantes para os intelectuais das décadas anteriores e passou a trabalhar a partir das transformações sociais. Essa forma de abordar a temática relativa à formação da classe trabalhadora brasileira pelos historiadores da década de 80 trouxe um novo olhar sobre a origem desse grupo social, pois considerou que o trabalho livre no Brasil estava ligado não somente à mão-de-obra imigrante, mas sim, e principalmente, ao trabalhador escravo que antecedeu à vinda dos imigrantes estrangeiros. Através de novas fontes e metodologias, os historiadores da “geração 80” produziram uma historiografia que considerou o trabalho escravo como a origem do trabalho e dos trabalhadores no Brasil, pesquisas deixaram de focar apenas São Paulo, destacando como em várias regiões, onde a mão- de- obra imigrante era escassa, predominou a mão-de-obra “nacional”. As utilizações de novas fontes e as releituras de antigas permitiram que historiadores problematizassem paradigmas e observassem como a atitude de “ganhadores” durante A greve negra de 1857 na Bahia[3], por exemplo, mostram como os negros, escravos ou libertos, já estavam integrados à dinâmica do trabalho livre. Sendo assim, as teorias de transição e substituição perdem valor explicativo.

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[1] LARA, Silvia Hunold. "Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil". Projeto história: revista do Departamento de pós-graduação da PUC-SP. São Paulo, EDUC, no 16, 1997, pp. 25-38.
[2] BATALHA, Claudio H. M. “Limites da liberdade: Trabalhadores, relações de trabalho e cidadania durante a Primeira República”. In: Douglas Cole Libby; Júnia Ferreira Furtado. (Org.). Trabalho livre, trabalho escravo - Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. 1 ed. São Paulo: Annablume, 2006, p. 97-110 e FRENCH, John. “As falsas dicotomias entre escravidão e liberdade: continuidades e rupturas na formação política e social do Brasil moderno”. In: Douglas Cole Libby; Júnia Ferreira Furtado. (Org.). Trabalho livre, trabalho escravo - Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. 1 ed. São Paulo: Annablume, 2006 pp.75-109.
[3] REIS, João José. A greve negra de 1857 na Bahia. Revista da USP Dossiê Brasil/África. São Paulo, 18:07-29, jun./jul./ago. 1993

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