segunda-feira, 27 de junho de 2011

Judeus e árabes: o que esperar do oriente médio?

Análise do documentário:
PROMESSAS de um novo mundo. Direção: B.Z. Goldberg, Carlos Bolado, Justine Shapiro. Roteiro: Ilan Buchbinder, Stephen Most, Yoram Millo. Israel/EUA/Palestina, 2001, 116 minutos. (É possível assirtir todo o documentário pelo You Tube <http://www.youtube.com/results?search_query=promessas+de+um+novo+mundo&aq=0&oq=promessas+de+um+>)

Em interface com o texto:
GATTAZ, André. A Guerra da Palestina – Da criação do Estado de Israel à Nova Intifada. (caps 8 e 9). São Paulo, Usina do Livro, 2002.

Produzido entre 1997 e 2000 (pouco antes da mais recente Intifada, de Outubro de 2000), este documentário retrata a história de sete crianças israelenses e palestinas (Daniel, Yarko, Faraj, Moishe, Mahmoud, Sanabel e Shlomo) em Jerusalém e na Cisjordânia que, apesar de morarem próximas umas às outras, vivem em mundos completamente distintos, separados por diferenças políticas, sociais e religiosas. O narrador B.Z. Goldberg (também diretor do filme), inicia explicando que o objetivo do trabalho é mostrar o que as crianças, normalmente associadas ao futuro, têm a dizer sobre os conflitos e o processo de paz na região. As sete crianças, com idades entre 8 e 13 anos, falam sobre os horrores da guerra, sobre parentes e amigos mortos e destilam ódio contra as facções contrárias. Elas são consideradas normais, porém, como se vê no documentário, “ser normal no Oriente Médio significa conviver com a guerra”.

Entre as sete crianças estão os gêmeos israelenses Yarko e Daniel, moradores da Jerusalém Ocidental. Apesar de estudarem, brincarem e praticarem esportes, eles convivem com o medo do terrorismo e, além de falarem de coisas comuns ao mundo infantil, têm na ponta da língua opiniões quanto aos conflitos. Eles mostram aversão aos judeus religiosos e, contrariando-os, afirma que não foi Deus quem criou o atual Estado de Israel. Já na Jerusalém Oriental, o pequeno palestino Mahmoud afirma: “Os judeus dizem que essa terra é deles. Como pode ser deles? (...) Jerusalém é dos árabes.”

A origem dos conflitos, nas proporções que se encontram, está no ano de 1948, ano da fundação de Israel. Ano da “Guerra de Independência” para israelenses e da “Catástrofe” para os palestinos. André Gattaz traz em seu texto um documento muito importante, é a “Declaração de Independência do Estado de Israel”. Neste documento fica claro o discurso sionista de que a Terra de Israel “foi o berço do povo judeu” (p. 121), este mesmo discurso é utilizado por Moishe, criança judia que habita em um assentamento na Cisjordânia chamado Beit-El, que recorre à Bíblia para afirmar que Deus deu aquela terra a Abraão e por herança ela passou para Jacó, que teve seu nome mudado para Israel.
No dia seguinte à “Declaração de Independência do Estado de Israel”, a Liga Árabe emite um documento se referindo à criação do Estado de Israel como um centro espiritual para os judeus na Palestina, o documento também faz referência ao grande êxodo de palestinos para países árabes vizinhos. O filme afirma que cerca de 750 mil palestinos fugiram ou foram expulsos, tornando-se refugiados. André Gattaz faz referência ao “terror psicológico” e à morte de milhares de civis palestinos:
“mulheres, crianças e idosos eram levados às fronteiras pelos soldados israelenses, outros milhares de pessoas morreram devido ao calor, às doenças e aos maus-tratos por parte dos soldados. Nas aldeias desocupadas, os israelenses passavam ao saque sistemático: móveis, bens pessoais, máquinas e equipamentos, veículos e mesmo animais de criação eram levados, enquanto tudo o que não pudesse ser carregado era destruído ou incendiado.” (p.128)

Gattaz cita ainda a “restrição de movimentação dos indivíduos árabes” dentro do que é considerado Israel. No filme podemos observar a dificuldade que os árabes da Cisjordânia, área ocupada pelos israelenses após a Guerra dos Seis Dias, têm de ir a Jerusalém. Para passar nos postos de fiscalização eles têm que obter autorização do exército israelense. O filme mostra que os árabes consideram isso uma humilhação, uma forma de continuar aterrorizando psicologicamente, já os israelenses consideram uma proteção contra os ataques terroristas.

O documentário nos mostra como o ódio e a intolerância se prolifera dos dois lados, assim como os dois lados perdem com a guerra. Porém, como afirma Gattaz, os israelenses ganharam mais simpatia do Ocidente pelo fato de usarem a imprensa para contar suas histórias e versões dos conflitos. Até hoje podemos observar como boa parte da imprensa ocidental continua alinhada aos israelenses.

Alimentadas pelo ódio, as crianças palestinas e israelenses não têm contato umas com as outras, estão próximas, mas não se comunicam, muitas saem no soco, reproduzindo o conflito latente. Porém, nas últimas cenas do filme os gêmeos israelenses Yarko e Daniel encontram-se com os palestinos Faraj e Sanabel, além de outras crianças. Eles são desafiados a entenderem o lado do outro. As crianças brincam, se alimentam e conversam juntas. Nesse momento o filme parece nos transmitir a esperança de um mundo melhor, um mundo de compreensão cujas promessas são as crianças. Porém, quando os produtores do filme retornam, dois anos depois, encontram as coisas, no mínimo, no mesmo lugar. Não há diálogo pela paz, as crianças (ou as promessas) continuam afastadas por postos de fiscalização e mais recentemente por muros, pelo ódio e pela intolerância. O processo de paz tem que continuar, a participação da sociedade civil dos dois lados é indispensável para conter os extremistas e pressionar os governantes a manter abertos os canais de negociação. Enfim, o que se espera é que a paz na Palestina deixe de ser uma promessa, tornando-se realidade. Alguém acredita nisso?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Centenário da Assembleia de Deus no Brasil é destaque nos principais jornais.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Raça e Ciência na História

Na contraditória sociedade do século XIX desenvolveram-se idéias que, como afirmou o Historiador Renato da Silveira, funcionaram como ideologia e desempenharam um papel político muito importante para a compreensão da história da humanidade[1]. Estamos falando das teorias de superioridade raciais desenvolvidas e legitimadas por cientistas. Como mostra Silveira, a Ciência foi a grande arma das elites dirigentes, ela legitimou políticas de conquistas e segregação, fundamentais para o entendimento de nosso tema. A Ciência tornou-se porta voz da Verdade, papel que até então era exercido pela Igreja, logo, a Verdade propagada pela Ciência era a de superioridade racial das elites européias, estendendo-se à superioridade cultural, política, militar etc.
Para provar a superioridade das elites brancas européias, cientistas desenvolveram métodos diversos. A craniologia é um desses métodos, Silveira nos mostra o exemplo de Broca, cientista que reafirmou a superioridade do “homem branco, o lugar subordinado da mulher, do operário, do camponês e do nativo dos outros continentes” (Silveira, p. 104). Outro exemplo é o surgimento da etnologia, mais um dos ramos da Ciência que propagava a superioridade da raça branca. Vários outros cientistas, ou portadores da Verdade, desenvolveram idéias de superioridade da raça branca, idéias que se tornaram o foco das atenções no período, por isso Le Bon destaca a preponderância das idéias raciais para o entendimento da história.
Como vimos na citação acima, o discurso racista também se identificou com o discurso de classes. Preocupados com a “turba das ruas” e com a difusão da idéia de igualdade, Le Bon e a corrente de cientistas conservadores contrariavam a idéia de que a instrução daria iguais condições aos homens e mulheres, pois todos seriam iguais. Dentro do grupo de “ilusões mais funestas” criadas no século XIX está o socialismo. Sobre esse movimento político Le Bon afirma: “O socialismo hoje parece ser o mais grave perigo que ameaça os povos europeus” (Le Bon, p.183). Como observamos anteriormente, as idéias de Marx, Engels, Proudhon (além de Bakunin e outros) colocavam as classes trabalhadoras em posição de destaque na luta contra os privilégios da burguesia e das desigualdades sociais. Em função dos ideais do anarquismo, do comunismo e do socialismo, a segunda metade do século XIX foi repleta de movimentos sociais que causaram muita tensão nas elites da sociedade no período. Greves em diversas fábricas, camponeses mobilizados e mulheres reivindicando direitos são alguns dos exemplos de políticas de mudanças sociais e econômicas, luta por liberdade e igualdade. A tal “igualdade perfeita sonhada pelos nossos modernos socialistas”, como afirma Le Bon, era impossível porque havia um abismo entre as “camadas superiores” (a elite dirigente) e as “camadas inferiores” (operários, camponeses e mulheres), assim como havia um abismo entre brancos e negros, tudo comprovado pela Ciência, por isso tudo Verdade. A socióloga Marcia Cristina Consolim contribui bastante para o entendimento desse aspecto quando trata da “multidão”, nome dado por Le Bon ao poder popular, que “ele acredita estar crescendo e prejudicando enormemente as instituições da República” [2]. Em sua reação conservadora, Le Bon defende os interesses das elites dirigentes desprestigiando, pela análise científica, as pessoas que faziam parte da classe trabalhadora. Essas pessoas seriam
“impulsivas, instintivas, impressionistas, facilmente irritáveis e sugestionáveis, crédulas, fazem associações sem nenhuma lógica, pensam por imagens, não têm idéias próprias, têm freqüentemente alucinações coletivas, confundem a realidade com sua imaginação, são incapazes de raciocinar e de julgar e não têm bom senso.” [3]

Os mais fortes dominam os mais fracos, os mais capazes devem estar no controle. Essas idéias favoreceram o êxito das elites políticas não só no contexto de suas sociedades, não serviram apenas para legitimar seus poderes contra os camponeses e operários, serviram também para consolidar um dos mais importantes aspectos da história da humanidade, ocorrido entre o final do século XIX e início do século XX, o imperialismo. Hobsbawn afirma que este novo imperialismo proporcionou que inúmeras partes do globo fossem divididas por grandes potências como Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, Holanda e mais alguns poucos[4]. Essa divisão do mundo foi legitimada pelas idéias de que os mais “fortes” e “avançados” deveriam dominar os mais “fracos” e “atrasados”. Além das questões econômicas, relacionadas com o fato da matéria-prima para os produtos industrializados europeus e norte-americanos estarem em países que agora são suas colônias, além do aumento do mercado consumidor e da possibilidade de mão-de-obra barata, o imperialismo também apresenta conflitos políticos, ideológicos e raciais. Sobre este último aspecto, cabe retornar às idéias de superioridade racial dos brancos em relação aos negros africanos, por exemplo, que fez com que o continente fosse dominado por um pequeno número de colonizadores cuja tarefa, entre outras coisas, era levar a “luz” para o continente das “trevas”, era civilizar esses bárbaros, levar a eles o progresso, seria esse o “fardo” do europeu. O continente africano é tratado como “zona servil”, onde seus habitantes eram à “imagem de povos pré-históricos” e “infantis”, características que justificariam o domínio do branco superior[5].
Essa política expansionista européia e norte-americana proporcionou a divisão do mundo entre poucos. De certa forma, o imperialismo proporcionou uma maior identificação das massas com o Estado e a nação, justificando e legitimando ações das elites políticas envolvidas. Porém, esse expansionismo também gerou conflitos entre as grandes potências, conflitos que os levaram à Primeira Guerra Mundial. Le Bon afirmou que um dos “mais importantes elementos da civilização são os que permitem a um povo avassalar os outros, isto é, as instituições militares” (p.70), nesse mesmo contexto Márcia Maria Menendes Mota afirma que, nos antecedentes da Primeira Guerra, havia a crença de que seria um conflito rápido, já que cada nação acreditava na sua superioridade em relação às outras[6]. Como sabemos, os que acreditavam nessas idéias se enganaram profundamente. A Guerra durou anos (1914-1918), e as idéias de superioridade racial nada tinham de Verdade.


[1] SILVEIRA, Renato da. Os selvagens e a massa: papel do racismo científico na montagem da hegemonia ocidental. Afro-Ásia, n. 23, 1999, p. 89-145.
[2] CONSOLIM, Marcia Cristina . Gustave Le Bon e a reação conservadora às multidões. In: XVII Encontro Regional de História (ANPUH), 2004, Campinas - SP. XVII Encontro Regional de História (Anpuh). Campinas - SP, 2004.
[3] Ibidem, p.6
[4] HOBSBAWN, Eric J. “A Era dos Impérios”. In: A Era dos Impérios 1875-1914. edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, pp. 87-124
[5] SILVEIRA, Renato da, op. cit. pp.119-120 e HOBSBAWN, Eric J. “A Era dos Impérios”, op.cit. p.106
[6] MOTTA, Márcia Maria Menendes. A Primeira Grande Guerra. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (Orgs.). O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v. 1 (O tempo das certezas: da formação do capitalismo à Primeira Guerra Mundial), p. 233-251.